EMPREENDER COM QUALIDADE NA PRODUÇÃO AGRÍCOLA

José Mauro de Sousa Balbino

Professor FAVENI – Faculdade Venda Nova do Imigrante.

Para se estabelecer um sistema para a gestão da qualidade de produtos agrícolas é fundamental iniciar pelo que se entende sobre qualidade e neste particular para esse tipo de produção. Mas, assim como abordado por vários estudiosos, Hewett (2006) também ratifica que qualidade não é um termo fácil de se definir, em razão de que as pessoas têm expectativas diversas para um determinado produto.

Segundo Wills et al. (1981) na atividade agrícola, qualidade pode ser analisada conforme a percepção dos diferentes segmentos ao longo da cadeia de produção e distribuição. Relata que para o agricultor a percepção está principalmente na produtividade, resistência a pragas e doenças, facilidade no manuseio pós-colheita e na aparência do produto. Já o distribuidor valoriza mais a sua aparência, firmeza, resistência ao transporte e durabilidade. Por fim, para o consumidor os atributos mais percebidos para a qualidade referem-se a aparência, firmeza, sabor (açúcar/acidez), aroma, aspectos nutricionais e ausência de contaminantes.

Isso, ainda faz sentido? Para quem se deve direcionar o foco quando se trata da questão, qualidade?

Nesse contexto, Hewett (2006), descreve que a qualidade é “adequação à finalidade”, é o estado do produto, que se encontra com as expectativas do cliente / consumidor o qual abrange questões como a posição do indivíduo na cadeia de abastecimento, o poder financeiro, bem como a formação cultural do comprador. Portanto, se os empreendedores não reconhecerem tais necessidades e desejos, então um declínio no consumo pode vir a ocorrer.

Assim sendo, segundo Mitcham (1996) o início para se estabelecer um padrão de qualidade é determinar critérios para o produto, os quais podem ser formulados a partir de alguns questionamentos básicos. O que os clientes querem? O que os preocupam mais? Eles estão mais preocupados com o preço e disponibilidade ou com a qualidade? É maturação e sabor ou aparência o aspecto mais importante? “Pode haver diferentes fatores de qualidade para diferentes tipos de clientes”. Portanto, com os critérios estabelecidos, segue-se com o desenvolvimento de meios objetivos para medir os fatores de qualidade, mantendo-se registros que permitam a avaliação do desempenho da empresa e com esse tipo de ação auxiliar nas decisões de gestão na propriedade.

Segundo legislação brasileira (artigo 1° inciso XXV do Decreto n° 6.268):

Qualidade é o conjunto de parâmetros ou características extrínsecas ou intrínsecas de um produto vegetal, seus subprodutos e resíduos de valor econômico, que permitam determinar as suas especificações qualiquantitativas, mediante aspectos relativos à tolerância de defeitos, medida ou teor de fatores essenciais de composição, características sensoriais e fatores higiênico-sanitários e tecnológicos (BRASIL, 2007, p. 2).

Com base nesse conceito e para facilitar o seu entendimento, pode-se exemplificar com as características, descritas para alguns produtos agrícolas. Para a alface, uma importante hortaliça folhosa, incluem-se no padrão de qualidade atributos como aparência, composta por tamanho, frescor, ausência de defeitos e de danos, cor característica e forma de apresentação; há a textura, constituída pela firmeza, suculência e crocância; tem-se a durabilidade; o sabor; o valor nutritivo; a ausência de patógenos e contaminantes físicos (insetos e seus fragmentos) e o respeito aos limites de resíduos de agrotóxicos, os quais conferem segurança ao alimento, tornando-o saudável.

Para outro exemplo, o morango, Mitcham (1996) inclui: o estádio de amadurecimento, geralmente definido pela percentagem de cor rósea ou vermelha do fruto; o seu brilho, um indicativo de frescor e de ausência da perda de água; a ausência de defeitos, considerando nesse caso deterioração, machucaduras e murcha; o tamanho e a uniformidade aspectos que compõe a sua aprência. Segui destacando, o sabor e aroma, determinados pelo teor de açúcar, acidez e pelos compostos voláteis; a sua composição nutricional; a firmeza, com a ausência de frutos moles, muito maduros (passados) ou com estravazamento de suco, que são aspectos associados à sua durabilidade e os atributos de segurança citados no exemplo ainterior.

Quanto à segurança do alimento, o termo significa a garantia de inocuidade, ou seja, que estejam livres de perigos de qualquer natureza, que possam colocar em risco a saúde ou a integridade do consumidor. Assim, uma vez que considerar risco igual a zero é impraticável, deve-se buscar reduzi-los ao máximo, para um nível aceitável (FORSYTHE, 2005) respeitando às legislações.

Merece aqui destacar o que diz o Código de defesa do consumidor (Lei nº 8.078, de 1990), que estabelece com clareza os direitos básicos como proteção à vida, saúde e à segurança contra riscos provocados por produtos e serviços (BRASIL, 1990). O consumidor tem o direito à garantia de qualidade, nesse caso destacada pela aquisição de alimentos seguros e à informação clara e precisa a esse respeito.

Para o mercado de produtos agrícolas perecíveis, vem crescendo algumas tendências que precisam ser percebidas pelos empreendedores para que possam superar desafios dentro da atividade. Assim, embasados em estudos e pesquisa de mercado, publicados por diversas consultorias Moda, Gonçalves e Barbieri (2019), apontam para o mercado de frutas, algumas tendências que denominaram de novos influenciadores de consumo (Quadro 1), que podem, ser agregados à produção a partir da percepção do empreendedor associado à suporte técnico e de marketing.

Quadro 1- Influenciadores de consumo, tendências e oportunidades para empreendimentos com produtos hortifrutícolas.

INFLUENCIADORES DE CONSUMO TENDÊNCIAS E OPORTUNIDADES
Saúde & bem-estar Consumidores estão mais conscientes de que há alimentos benéficos à saúde. Assim, são levados em conta produtos naturais, dietas com vegetais e alimentos com alto teor de antioxidantes, vitaminas etc.
Experiência Consumidores procuram boas experiências, o que significa que o consumo não está ligado somente à saudabilidade, mas também à apresentação do ambiente, à qualidade do serviço, à personalização do produto e ao envolvimento com o cliente.
Impacto social Passam a ter maior valor os produtos locais, que são sustentáveis. O transporte a longas distâncias aumentam as perdas, exige embalagens e consome muito mais energia. Neste caso, produtores de menor escala podem oferecer tais produtos por meio da venda direta, o que, tende a permitir uma maior renda para a atividade.

Corporações varejistas, já têm sido cobradas para a seleção de fornecedores com produções sustentáveis e ao trato com os funcionários/colaboradores.

Segurança Para o consumidor, não é apenas a questão do risco de um alimento para a saúde, mas, de características que, na sua visão, podem afetar a saúde em um longo prazo, abrangendo fatores como composição nutricional mais balanceada, menor lista de ingredientes e mais naturais, além da redução ou remoção de produtos alérgicos.
Transparência Consumidores demandam informações sobre a cadeia de produção do que estão adquirindo e querem ter acesso de forma clara e simples a respeito do alimento. Nesse sentido, toda a cadeia é envolvida, abrangendo desde a rotulagem mais “limpa”, de fácil entendimento até certificados de produção e rastreabilidade.

FONTE: Deloitte e Euromonitor apud Moda, Gonçalves e Barbieri, 2019.

Essas tendências seguem a outros apontadas há algum tempo como oportunidades para o mercado de frutas e hortaliças como por exemplo: conveniência e praticidade, sensorialidade e prazer, sustentabilidade, confiabilidade e ética (INOUE; SILVEIRA; VIANA, 2010). Nesse caso, para os autores em conveniência e praticidade há as oportunidades para os produtos minimamente processados, hortifrutícolas industrializados, suco de frutas prontos e serviços de alimentação, especialmente voltados à refeições fora do lar. Para a confiabilidade citaram produtos com certificados de boas práticas agrícolas, marcas próprias e uso da inovação tecnológica para melhorias na qualidade do produto, especialmente em embalagens. Além disso, apontaram o crescimento do mercado para produtos com certificados socioambiental, como os selos: Fairtrade Labelling Organizations, Rainforest Alliance e do Instituto Biodinâmico e de Indicação Geográfica. Já para sensorialidade e prazer, indicaram o fornecimento de frutas e hortaliças para a alta gastronomia e a inserção dos empreendimentos com o turismo rural, especialmente para regiões próximas a grandes centros urbanos.

Portanto, essas considerações sugerem a necessidade de aperfeiçoamento continuo na atuação com as atividades agrícolas, visando superar os desafios normalmente presentes em todos os negócios, tais como: os clientes cada vez mais atentos, conscientes e exigentes; a concorrência mais acirrada e que precisa ser superada; a disponibilidade cada vez maior das tecnologias, exigindo a predisposição e agilidade para adquirir os novos conhecimentos e as legislações, principalmente as sociais, trabalhistas, ambientais e econômicas, que precisam ser conhecidas e atendidas. E para tanto, o caminho é a predisposição para a forma de gestão da atividade considerando todos os aspectos associados ao empreendimento.

E qual é o caminho para a gestão da qualidade com os produtos agrícolas?

Um conceito básico com o propósito de atender a geração de produtos de qualidade é de Agricultura Sustentável. Segundo Marouelli (2003), houve um momento, da década de 1980, que no setor agropecuário, o significado “sustentável” passou a atrair a atenção de maior número de profissionais, insatisfeitos com a chamada agricultura “convencional” ou “moderna”. Com isso, desde o final dos anos de 1980 proliferaram as tentativas de definir o que é a agricultura sustentável, indicando o desejo de um novo padrão produtivo que pudesse garantir a segurança alimentar sem agredir o ambiente. Assim de um modo geral, a proposta da Agricultura Sustentável, coloca um conceito que busca contrapor a forma como a agricultura é normalmente praticada, inserindo no processo a integração das questões ambientais, sociais e econômicas, pilares do desenvolvimento sustentável.

Para o Grupo Consultivo em Pesquisa Agrícola Internacional, a Agricultura Sustentável é aquela que se estabelece no sentido de “envolver o manejo bem-sucedido de recursos para agricultura, visando a satisfazer as necessidades variáveis da humanidade, mantendo ou melhorando a qualidade do meio ambiente e conservando os recursos naturais” (BRASIL, 2001).

No Brasil, há empreendimentos agrícolas adotando sistemas voltados para a gestão da qualidade, adotando as bases da sustentabilidade na agricultura, inclusive para a produção de hortaliças e em especial o de frutas para exportação. Todavia, a adoção é bem aquém das necessidades do setor e, os que o fazem, têm subestimado os benefícios que poderiam ter. Portanto, ao mesmo tempo que surge como desafio para o segmento, vem também, como grande oportunidade para os empreendedores e para os profissionais de diversas áreas.

As organizações em todo o mundo buscam alternativas que os insiram no mercado em condição superior à de seus concorrentes e uma dessas é com a implementação da gestão da qualidade. Os espaços para atuação são vários, todavia os sistemas mais conhecidos e utilizados pelo setor estão relacionados com as Boas Práticas Agrícolas – como a GlobalGAP e a Produção Integrada. Além desses há as formas de atuação com base nos conhecimentos agroecológicos, sendo a mais comum a agricultura orgânica.

Recentemente Moda et al (2020) apresentaram o resultado de uma análise da percepção do consumidor sobre frutas e hortaliças, via pesquisa pelas redes sociais, partindo do fato de que como a população tem o hábito de estar frequentemente conectada a elas, essas passam a ser uma interface importante para compreender hábitos e preferências dos consumidores. Daí detectaram que os temas mais associados aos comentários dos internautas eram: culinária, saudabilidade, preço, praticidade, qualidade e sustentabilidade. Assim sendo, pode-se nesse contexto realizar pelo menos duas considerações: a primeira referente à consolidação de temas para serem apreciados pelos envolvidos com a atividade agrícola, e outra, o quanto as redes socais podem ser uma ferramenta para indicações, tanto para os empreendedores, quanto para os profissionais inovarem nos empreendimentos de negócios com a agricultura.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 8078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 12 set. 1990. Disponível em: . Acesso em: 17 maio 2020.

BRASIL. Instrução Normativa MAPA/SARC nº 12 de 29 de novembro de 2001. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 13 dez. 2001. Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2020.

BRASIL. Decreto n° 6.268, de 22 de novembro de 2007. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 23 nov. 2007. Disponível em: . Acesso em: 8 maio 2020.

FORSYTHE, S. J. Microbiologia da segurança alimentar. GUIMARÃES, M. C. M.; LEONHARDT, C. (Trad.). Porto Alegre: Artmed, 424p. 2005.

HEWETT, E. W. An overview of preharvest factors influencing postharvest quality of horticultural products. International Journal of Postharvest Technology and Innovation, v. 1, n. 1, p. 4–15. 2006. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2020.

INOUE, K.; SILVEIRA, M. S.; VIANA, M. M. Desafios e oportunidades de agregar valor na cadeia de hotifrutis. Hortifruti Brasil, Piracicaba, ano 9 n. 92, p. 8 – 19, julho de 2010.

MAROUELLI, R. P. O desenvolvimento sustentável da agricultura no Cerrado Brasileiro. 2003. 54 f. Monografia (Pós Graduação em Gestão Sustentável da Agricultura Irrigada) – ISAE-Fundação Getúlio Vargas, Brasília, 2003.

MITCHAM, B. Quality Assurance for Strawberries: A Cause Study. Perishables Handling Newsletter Issue. 85 ed. 1996. Disponível em: . Acesso em: 18 maio 2020.

MODA, L. R.; GONÇALVES, I. C.; BARBIERI, M. G. O consumidor de frutas não é mais o mesmo. Hortifruti Brasil, Piracicaba, ano 17 n. 187, p. 10 – 13, março de 2019.

MODA, L. R et al. O que os internautas falam sobre os HF’S? Hortifruti Brasil, Piracicaba, ano 19 n. 197, p. 10 – 15, fevereiro de 2019.

WILLS, R. H. H et al. Postharvest: an introduction of the physiology and handling of fruit and vegetables. Westport, Conn: AVI Publishing Company Inc., 1981. 163 p.

Compartilhar:
Rolar para cima

Pesquisar

Pular para o conteúdo